É Preciso Ultrapassar | Villa Mandaçaia – SP

Curadoria de Ana Carla Soler e Arasy Benitez

“Sinto, logo sou”, de Kierkegaard, é uma forma de admitir que a condição humana não é apenas espiritual, mas, à primeira vista, ela é corporal. A existência é a mistura das sensações das coisas do mundo e a sensação de si. Não existe uma divisão entre a carne do corpo e a carne do mundo, existe uma continuidade sensorial entre ambos. O indivíduo só toma consciência de si através do sentir, ele experimenta a sua existência pelas ressonâncias sensoriais que o atravessam constantemente.

Somos uma bonita mistura daquilo que aprendemos, guardamos, pensamos e agimos. Somos matéria, impactados pelas ações e reações das trocas que executamos com o espaço, a cultura, as pessoas, a natureza e tudo aquilo que nos rodeia. Somos o lugar entre o que nos materializa e o que nos mantém intelectualmente vivos.

Esperamos, enquanto isso, que nunca possam dizer de nós o que dizem sobre as margens, que servem apenas para limitar. Esta curadoria de videodança se propõe retornar ao corpo para investigar quais os limites que ele tenta impor a tudo que colocamos energia para ultrapassar. Estamos dentro do mundo, não diante dele, e pensar o corpo – ou mais especificamente as sensações do corpo – é, nesta curadoria, uma das maneiras de existir. 

Lilian Graça, em seus trabalhos de videodança aqui exibidos, investiga a relação entre o corpo do espectador, a tela e o corpo do bailarino. Explora o encontro entre essas duas existências brincando com foco, profundidade, extremidades, bordas. Busca a descentralização do olhar do espectador, enquanto questiona a possibilidade de estar presente em contato com uma tela, aquela que exibe o vídeo. Maryah Monteiro vai explorar aquilo que do espaço físico nos atravessa: a cidade, a arquitetura, as casas, a ruína. O corpo que ocupa espaços em contato com o movimento que penetra as construções que ele habita. A casa, que é tanto um lar como um elemento vivo, é parte da proposta de Kuña Roga, do Coletivo Aruá. A obra traz luz para questões sobre o ser mulher, os medos, a coragem, através de uma misteriosa casa repleta de engrenagens subconscientes. 

Ampliando o espaço que habitamos, lembramos que somos seres existindo no planeta Terra, ou melhor, planeta água. A água é a arquitetura do corpo, viemos da água e é ela que carrega o oxigênio em nossas veias e nos mantém vivos. Esse corpo e suas trocas com o ambiente encontram acolhimento no trabalho de Maria Carolina Werneck, ela estuda a intenção, sugerida na leveza da interação com a natureza. Inspirada no universo mítico da oralidade da Amazônia paraense, Vanessa Hassegawa vai investigar a princesa que habita a ilha de Algodoal, que também se materializa na cobra boiúna. A espiritualidade, que não pode existir separada do corpo, é tema de Salubá, dos artistas Saulo Gomes e João Machado, uma dança de saudação a Nanã, onde a água se mistura com o barro, se faz lama e se mistura com o corpo. 

Rafaela Sahyoun, em complemento, nos pede para olhar para dentro de nós. O que pulsa, vibra e existe em constante movimento involuntário é a origem de sua pesquisa. Ao olhar para dentro enxergamos que estamos em dança, nossas veias correm, nosso cérebro gera impulsos elétricos, nossos órgãos criam ritmos. 

Estamos dentro do mundo, não diante dele, e pensar o corpo, ou mais especificamente as sensações do corpo, pode ser uma das maneiras de pensar nossa existência. O título da exposição é um convite para superarmos a ideia de que “penso, logo existo”, pois ela aqui não faz sentido, não faz sentir. É preciso ultrapassar. 

Ana Carla Soler e Arasy Benitez

Abertura: 28 de maio de 2022
Local: Villa Mandaçaia
Endereço: Rua Matheus Grou, 634, Pinheiros, SP

Shopping Basket